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Prof. Dr. Eduardo Henrique Lopes Figueiredo. |
O Prof. Dr. Eduardo Henrique Lopes Figueiredo
concedeu no último dia 28 entrevista para o Jornal “O Globo” do Rio de
Janeiro. A entrevista abordou a intenção do prefeito Eduardo Paes de
criar um “código de ética para passeatas e manifestações”. Em sua
resposta, o professor da FDSM demonstrou as inconstitucionalidades
presentes nesse projeto e que tais medidas iriam contra o Estado
Democrático de Direito.
1 - O prefeito Eduardo Paes de
criar um “código de ética para passeatas e manifestações”?
“Os municípios brasileiros detém
competência para legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar as
legislações federal e estadual quando houver lacunas normativas. Se as lacunas
podem ser superadas para enfrentar questões de administração municipal,
trata-se de observar o que já existe, ou em outras palavras, observar a
legislação precedente da perspectiva da legislação municipal a ser elaborada de
sorte que esta não seja conflituosa com a legislação dos Estados membros e da
União. Essa questão de 'normatizar' e definir regras para manifestações públicas
é delicada, porquanto o direito de reunião pacífica é assegurado como direito
fundamental nos termos do inciso XVI da Constituição da República. Vale a
exploração da redação dos dispositivos, o que é bem clara: em locais abertos ao
público, todos podem reunir-se pacificamente e sem armas, independentemente de
autorização. Legislação local não poderá restringir esse direito fundamental.
Para as hipóteses de práticas delituosas já existe o Código Penal e os
municípios não podem legislar sobre esse tema”.
2 – Restringir locais para
manifestações serem feitas não fere o direito desses manifestantes?
“A questão é interessante! Para
desenvolvê-la, valem duas hipóteses: manifestações irão ocorrer em locais nos
quais há patrimônio histórico? Manifestações irão ocorrer em locais nos quais
há risco de dano ambiental? Consideremos ambas as hipóteses, tão só
ficticiamente, para considerar que os municípios poderão legislar sobre estes
temas se eles trouxerem em sí singularidades de interesse local ou, ainda, se não
existir normatização prévia que vá ao encontro de necessidades da administração
municipal. Contudo é importante atentar para o seguinte aspecto:
independentemente da ênfase por meio do qual uma, duas ou várias faces da
necessidade de normatizar eventuais manifestações públicas venham a ser
destacadas o direito de manifestar-se publicamente não pode ser atingido. Para
além de simples questão semântica, o que é manifestar-se? Se por exemplo uma
legislação tolher esse direito de sorte a marginalizá-lo ou mesmo torná-lo
inconsistente, clandestino, inapto a ser conhecido pela população, essa
legislação ofenderá a Constituição. O público é também o local público, o bem
público, que foi construído e é mantido com recursos públicos. Governantes
devem proteger e conservar tais locais,
pois não são seu proprietários. Se nem mesmo isso tem sito satisfatório nas
grandes cidades brasileiras, intimidar o ir e vir das pessoas é mais uma das
fragilidades políticas as quais desencadeiam o desejo de legislar”.
3 – Ao fazer isso, o prefeito diz
que está do lado da população, que é prejudicada com manifestações em qualquer
lugar e horário, ferindo o direito de ir e vir. Mas quem se manifesta também
está no seu direito, não?
“Todos nós de algum modo ou nos
solidarizamos ou ainda nos deixamos levar por alguma surpresa a ver ao vermos
um idoso,uma criança, ou ainda uma mãe ao lado de veículos policiais em ação
nas comunidades. De igual modo não é possível intimidar uma perseguição
policial, por exemplo, nos horários nos quais o metrô está sendo mais
utilizado. O que é então estar ao 'lado' da população? Governantes não são
companheiros de bate papo ou coisa que o valha. Cidadãos precisam de regras
para que o espaço público funcione de forma contínua e segura, pois o espaço
público é um meio no qual estamos e nos envolvemos no cotidiano. Esse espaço
deve ser preservado, inclusive, para manifestações. Manifestações populares são
uma das dimensões da expressão pública da cidadania. Afirmações que sugiram
sectarização ou que compreendam as relações sociais de forma pitoresca, tal
como se houvesse um lado bom da população e outro não tão bom assim é tão só
uma simplificação”.
4 – Existe alguma maneira de
agradar ambos os lados? Qual seria?
“Existem várias formas. Entre
elas uma campanha educacional que passo a passo destaque, por exemplo, que por
mais relevantes que sejam as causas de manifestações públicas, destruir bens
públicos ou privados é incompatível com as mensagens que as manifestações
estejam desejosas de desencadear. Legislar apressadamente para depois reprimir
está mais para potencializar diferentes razões que poderão, sob o argumento de
autoridade, intimidar o que também é público, ou seja, a vida social. O Rio de
Janeiro é cidade com algumas singularidades peculiaríssimas. Sediará a Copa, as
Olimpíadas, é cidade turística e detentora de marcantes passagens da história
do Brasil. Sua região metropolitana é populosa e as precauções com seus bens
ambientais é necessário. Não é nada simples pensar em um 'código de posturas'
em semanas”.
5 – Você concorda com a medida do
prefeito? Acha que esse é o caminho?
“Eu não concordo com medidas. Se
por um lado podem ser necessárias, são também sempre ambíguas. Eu penso que
aqueles se orientaram para a vida pública devem ter preocupações crônicas com
ações impessoais que promovam bem estar e condições mais substanciais de vida,
principalmente nas grandes metrópoles brasileiras. A superposição de desafios
aos homens públicos e administradores fica cada dia mais destacada. Se não há
ações satisfatórias para trânsito, violência, comunicações, entre vários outros
fatores que já dividem os cidadãos, precarizando suas vidas, retirar desses
mesmos cidadãos a possibilidade de se manifestarem, uma vez que agremiações
públicas tem sua origem em insatisfações comuns, é dar as costas para o que
está acontecendo no Brasil. Nesse sentido as medidas poderão ser o retrato
pouco democrático daquele que ocupa provisoriamente um cargo público. Pode ser
também, o reflexo da inviabilidade dos técnicos que não dominam tarefas
básicas”.
6 – Há algo mais que queira
acrescentar?
“Não é possível considerar uma
variante frágil quanto a uma proposta reflexiva. O que estamos assistindo é
muito positivo. As reações das pessoas ao vazio da política são mais
expressivas. Elas traduzem os desafios e o conteúdo das atividades que um homem
ou mulher públicos deverão assumir e 'viver'. Não será com políticas de 'dedo em riste' que serão
promovidas mudanças necessárias que os brasileiros de bem acalentam”.