11 de março de 2014

Professor da FDSM fala ao jornal “O Globo” do RJ


Prof. Dr. Eduardo Henrique Lopes Figueiredo.

O Prof. Dr. Eduardo Henrique Lopes Figueiredo concedeu no último dia 28 entrevista para o Jornal “O Globo” do Rio de Janeiro. A entrevista abordou a intenção do prefeito Eduardo Paes de criar um “código de ética para passeatas e manifestações”. Em sua resposta, o professor da FDSM demonstrou as inconstitucionalidades presentes nesse projeto e que tais medidas iriam contra o Estado Democrático de Direito.

1 - O prefeito Eduardo Paes de criar um “código de ética para passeatas e manifestações”?

“Os municípios brasileiros detém competência para legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar as legislações federal e estadual quando houver lacunas normativas. Se as lacunas podem ser superadas para enfrentar questões de administração municipal, trata-se de observar o que já existe, ou em outras palavras, observar a legislação precedente da perspectiva da legislação municipal a ser elaborada de sorte que esta não seja conflituosa com a legislação dos Estados membros e da União. Essa questão de 'normatizar' e definir regras para manifestações públicas é delicada, porquanto o direito de reunião pacífica é assegurado como direito fundamental nos termos do inciso XVI da Constituição da República. Vale a exploração da redação dos dispositivos, o que é bem clara: em locais abertos ao público, todos podem reunir-se pacificamente e sem armas, independentemente de autorização. Legislação local não poderá restringir esse direito fundamental. Para as hipóteses de práticas delituosas já existe o Código Penal e os municípios não podem legislar sobre esse tema”.

2 – Restringir locais para manifestações serem feitas não fere o direito desses manifestantes?

“A questão é interessante! Para desenvolvê-la, valem duas hipóteses: manifestações irão ocorrer em locais nos quais há patrimônio histórico? Manifestações irão ocorrer em locais nos quais há risco de dano ambiental? Consideremos ambas as hipóteses, tão só ficticiamente, para considerar que os municípios poderão legislar sobre estes temas se eles trouxerem em sí singularidades de interesse local ou, ainda, se não existir normatização prévia que vá ao encontro de necessidades da administração municipal. Contudo é importante atentar para o seguinte aspecto: independentemente da ênfase por meio do qual uma, duas ou várias faces da necessidade de normatizar eventuais manifestações públicas venham a ser destacadas o direito de manifestar-se publicamente não pode ser atingido. Para além de simples questão semântica, o que é manifestar-se? Se por exemplo uma legislação tolher esse direito de sorte a marginalizá-lo ou mesmo torná-lo inconsistente, clandestino, inapto a ser conhecido pela população, essa legislação ofenderá a Constituição. O público é também o local público, o bem público, que foi construído e é mantido com recursos públicos. Governantes devem proteger  e conservar tais locais, pois não são seu proprietários. Se nem mesmo isso tem sito satisfatório nas grandes cidades brasileiras, intimidar o ir e vir das pessoas é mais uma das fragilidades políticas as quais desencadeiam o desejo de legislar”.

3 – Ao fazer isso, o prefeito diz que está do lado da população, que é prejudicada com manifestações em qualquer lugar e horário, ferindo o direito de ir e vir. Mas quem se manifesta também está no seu direito, não?

“Todos nós de algum modo ou nos solidarizamos ou ainda nos deixamos levar por alguma surpresa a ver ao vermos um idoso,uma criança, ou ainda uma mãe ao lado de veículos policiais em ação nas comunidades. De igual modo não é possível intimidar uma perseguição policial, por exemplo, nos horários nos quais o metrô está sendo mais utilizado. O que é então estar ao 'lado' da população? Governantes não são companheiros de bate papo ou coisa que o valha. Cidadãos precisam de regras para que o espaço público funcione de forma contínua e segura, pois o espaço público é um meio no qual estamos e nos envolvemos no cotidiano. Esse espaço deve ser preservado, inclusive, para manifestações. Manifestações populares são uma das dimensões da expressão pública da cidadania. Afirmações que sugiram sectarização ou que compreendam as relações sociais de forma pitoresca, tal como se houvesse um lado bom da população e outro não tão bom assim é tão só uma simplificação”. 

4 – Existe alguma maneira de agradar ambos os lados? Qual seria?

“Existem várias formas. Entre elas uma campanha educacional que passo a passo destaque, por exemplo, que por mais relevantes que sejam as causas de manifestações públicas, destruir bens públicos ou privados é incompatível com as mensagens que as manifestações estejam desejosas de desencadear. Legislar apressadamente para depois reprimir está mais para potencializar diferentes razões que poderão, sob o argumento de autoridade, intimidar o que também é público, ou seja, a vida social. O Rio de Janeiro é cidade com algumas singularidades peculiaríssimas. Sediará a Copa, as Olimpíadas, é cidade turística e detentora de marcantes passagens da história do Brasil. Sua região metropolitana é populosa e as precauções com seus bens ambientais é necessário. Não é nada simples pensar em um 'código de posturas' em semanas”.

5 – Você concorda com a medida do prefeito? Acha que esse é o caminho?

“Eu não concordo com medidas. Se por um lado podem ser necessárias, são também sempre ambíguas. Eu penso que aqueles se orientaram para a vida pública devem ter preocupações crônicas com ações impessoais que promovam bem estar e condições mais substanciais de vida, principalmente nas grandes metrópoles brasileiras. A superposição de desafios aos homens públicos e administradores fica cada dia mais destacada. Se não há ações satisfatórias para trânsito, violência, comunicações, entre vários outros fatores que já dividem os cidadãos, precarizando suas vidas, retirar desses mesmos cidadãos a possibilidade de se manifestarem, uma vez que agremiações públicas tem sua origem em insatisfações comuns, é dar as costas para o que está acontecendo no Brasil. Nesse sentido as medidas poderão ser o retrato pouco democrático daquele que ocupa provisoriamente um cargo público. Pode ser também, o reflexo da inviabilidade dos técnicos que não dominam tarefas básicas”.

6 – Há algo mais que queira acrescentar?

“Não é possível considerar uma variante frágil quanto a uma proposta reflexiva. O que estamos assistindo é muito positivo. As reações das pessoas ao vazio da política são mais expressivas. Elas traduzem os desafios e o conteúdo das atividades que um homem ou mulher públicos deverão assumir e 'viver'. Não será  com políticas de 'dedo em riste' que serão promovidas mudanças necessárias que os brasileiros de bem acalentam”.


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